domingo, 3 de setembro de 2017

A Inclusão Excludente



A INCLUSÃO EXCLUDENTE
Por Edeltraud Dörr Castro (RU: 1557685) e Martin Henrique Dörr Castro (RU: 1555884)
Polo Zona Norte – Porto Alegre
Data: 27/08/2017

A inclusão excludente é, segundo Veiga Neto, darmos amplo acesso aos portadores de deficiências ao mundo dos demais cidadãos, ditos como normais. Esse processo, entretanto, da maneira como tem ocorrido, exclui mais do que inclui, uma vez que nem estes (normais), nem aqueles, estão preparados para esta inclusão. A verdadeira inclusão deve ser aquela em que todos entendem todos, ou seja, ninguém se sente diferente.
Ao longo da história, na longínqua Grécia provavelmente, iniciamos nossos preconceitos e dificuldades em lidarmos com parte dos nossos iguais, os seres humanos que de algum modo não são considerados ‘normais’, ‘completos’, pois o conceito de perfeição e beleza vigente então excluía todos esses cidadãos dos seus direitos. Diferente não foi em períodos posteriores, quando Justiniano, imperador romano, editou uma lei que excluía os surdos que não tivessem a possibilidade de confessar seus pecados da herança a que tinham direito. A Igreja Romana entendia isso muito justo, pois enriquecia mais um pouco. Havia muitos surdos nessa época, pois os casamentos entre parentes de famílias ricas eram muito comuns, onde a consanguinidade determinava muitas deficiências, inclusive a surdez. Também a história nos conta o surgimento da língua de sinais dentro dos mosteiros, onde os religiosos não podiam verbalizar algumas condutas ou descobertas consideradas heréticas.
Foi em busca de como hoje tratamos nossos surdos e aprendermos mais sobre esta realidade, que procuramos a Escola de Educação Especial Concórdia, em Porto Alegre, uma das quatro escolas para surdos disponíveis na região. Na conversa com a Diretora Hiltrud Elert (reconhecida como finalista do prêmio educação pela Sinpro: http://www.ulbra.br/educacao-basica/especial-concordia/noticia/19973/hiltrud-elert-e-finalista-do-18-premio-educacao-rs), tivemos uma rica experiência que nos trouxe importantes elementos para compreender melhor este mundo.


Esta escola existe há 50 anos, criada muito antes de o país se preocupar com alguma legislação que permitisse aos surdos alguns direitos diferenciais, como a outros portadores de deficiências.  Além de sua principal função, a de prover os surdos às duas línguas (primeiro LIBRAS e depois a língua portuguesa lida e escrita) de que necessitam para exercerem sua cidadania, busca dar uma formação completa ao aluno, uma vez que cumpre toda a grade curricular das demais escolas nos seus respectivos níveis. Esta escola possui uma importância muito grande, pois provê educação e prepara para o mercado de trabalho, crianças e jovens surdos, que, na sua maioria, são de origem pobre. Apenas um aluno dentre os 130 é pagante. A surdez, como outras doenças ou deficiências, é decorrente em grande parte das más condições de vida das famílias pobres, que não possuem condições adequadas de higiene e saneamento básico, alimentação e acesso à saúde. A gestação ocorre de forma não planejada, muitas vezes indesejada e por isso com tentativas de aborto, sem exames adequados. Esta criança já vem em condições de baixa imunidade e sujeita a muitas doenças, algumas delas causando a surdez.  Apenas 5% dos casos de surdez têm causas genéticas; as demais poderiam ter sido evitadas. 10% da população brasileira é surda ou possui a algum comprometimento da audição, que vai de leve a severa.


As famílias, diante do quadro, tem dificuldade em aceitar esta realidade e o acesso ao tratamento pode demorar alguns anos, dificultando o desenvolvimento desta criança, com uma comunicação muito restrita, uma vez que nem pais, nem comunidade domina a linguagem de sinais. Em geral, esta criança só inicia seu desenvolvimento após o contato com esta linguagem, que é de domínio muito restrito. Hoje as escolas em geral, mesmo que a legislação as obrigue, não possuem profissionais capacitados para atender esta necessidade. Nas universidades, todos os cursos devem ter entre as disciplinas a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, mas na maioria são disciplinas apenas para cumprirem curriculum, não são obrigatórias e os alunos não cursam.
Assim, o surdo, que possui todas as aptidões de todas as demais pessoas, menos ouvir, sem a aquisição da sua primeira língua, a língua de sinais, que no Brasil é chamada de LIBRAS, terá dificuldades em se inserir no mundo do estudo, do trabalho. Hiltrud admite que o surdo tem dificuldades de se empregar. Poucas companhias contratam profissionais surdos em virtude da falta de domínio da língua e do preconceito, exceção à Companhia de Supermercados Zaffari, que mantém contato com a escola.
E a cidadania? E a inserção mal conduzida poderá formar uma pessoa retraída, insegura e incapaz de exercer seus direitos e deveres como cidadão. A televisão com propaganda eleitoral com interprete mantém o surdo mais incluído, porém, pela pouca preocupação com a questão do surdo, não há quase representatividade surda como também não há de mulheres, que compõem a maioria da população. Ao contrário, um surdo que foi provido, na época certa com apoio da família, escola e comunidade, das ferramentas de que necessita para a sua vida futura, se tornará um cidadão de grande valor, mas ainda carece de ajuda para se manter presente nas questões de interesse.
Mas esta realidade ainda está muito longe de ocorrer. Prova disso é que o surdo busca predominantemente a sua comunidade de surdos, onde se sente mais confortável, onde consegue um acolhimento mais completo, onde se comunica de forma plena.
Mas o que de novo surgiu em termos de tecnologias inclusivas para surdos, na era dos avanços em todas as áreas, em que robôs substituem tarefas repetitivas ou perigosas dos humanos? Além da LIBRAS, a maior dentre as ferramentas criadas pelo ser humano para os surdos, várias inovações do último século vieram a ajudar.
Aprendemos que o aluno surdo possui as percepções visuais muito desenvolvidas. Assim, grande parte das ferramentas que oferecem apoio visual ajudam estas pessoas. Na escola, que não emprega tecnologias de ponta, utiliza-se de ferramentas como o Datashow de forma intensiva. Os professores e funcionários devem dominar de forma intensiva a LIBRAS. Os materiais usados em sala de aula são todos visuais, usando muitos desenhos, muitas cores, representações de diversas ordens. Conforme Hiltrud, ‘o tempo dispendido nas aulas é maior do que em aulas de alunos ouvintes, pois os surdos não possuem todos os recursos de percepção e assim as turmas são em número reduzido. As séries iniciais não podem ter mais de cinco crianças. Após o domínio da LIBRAS, o grupo pode ser aumentado para oito alunos. O professor necessita um contato muito maior com cada aluno, sob pena do aluno perder grande parte do conteúdo’.
Assim, como podemos imaginar um aluno surdo, sem o domínio do português e sem um tradutor em sala, numa turma de trinta alunos como ocorre nas nossas escolas, ter uma aprendizagem adequada? Esse aluno certamente terá muitas deficiências e não terá o adequado acesso a uma universidade ou a um trabalho mais qualificado.
Ainda conforme Hiltrud, ‘algumas novas tecnologias realmente são fantásticas, como o Whatsapp, que permite uma comunicação muito rápida e perfeita com a família, por exemplo. O aluno e o familiar se ‘falam’ por sinais de forma instantânea através da câmara do celular. Antes desta ferramenta, quando o aluno necessitava comunicar-se com a família, nós da escola precisávamos intermediar, transmitindo através do português/libras o que queriam comunicar’.
Hiltrud não defende Hand Talk (aplicativo de apresentação simultânea de sinais conforme a fala)  em palestras ou outro aplicativo que iniba a visualização da cena do palestrante. O closed captions ou a tecla SAP são recursos úteis, mas estão pouco empregados na programação da TV. Outro exemplo é as campainhas como luminárias, são úteis na Escola, mas não são empregados na aprendizagem dos alunos. No nosso entender, as tecnologias de aplicativo são úteis e serão mais úteis a surdos, cegos ou outro deficiente à medida que for simpático com as características físicas, sociais, econômicas e culturais.
Hiltrud concluiu a entrevista falando que o oralismo está ainda muito presente e a busca da escola inclusiva, como vi(ve)mos, depende que todos consigam se entender. A Universidade de surdos Gallaudet nos Estados Unidos é uma realidade que se afasta cada vez mais diante da busca de educar para diversidade sem educar coerentemente com as condições próprias do indivíduo na busca de seu desenvolvimento pleno.

                   


        
                    Edeltraud Dörr Castro – Estudante da Uninter
                                            
                     












                   Martin Henrique Dörr Castro – Estudante da Uninter


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