A
INCLUSÃO EXCLUDENTE
Por Edeltraud Dörr Castro (RU: 1557685) e Martin Henrique
Dörr Castro (RU: 1555884)
Polo Zona Norte – Porto Alegre
Data: 27/08/2017
A inclusão excludente é, segundo
Veiga Neto, darmos amplo acesso aos portadores de deficiências ao mundo dos
demais cidadãos, ditos como normais. Esse processo, entretanto, da maneira como
tem ocorrido, exclui mais do que inclui, uma vez que nem estes (normais), nem
aqueles, estão preparados para esta inclusão. A verdadeira inclusão deve ser
aquela em que todos entendem todos, ou seja, ninguém se sente diferente.
Ao longo da história, na
longínqua Grécia provavelmente, iniciamos nossos preconceitos e dificuldades em
lidarmos com parte dos nossos iguais, os seres humanos que de algum modo não
são considerados ‘normais’, ‘completos’, pois o conceito de perfeição e beleza
vigente então excluía todos esses cidadãos dos seus direitos. Diferente não foi
em períodos posteriores, quando Justiniano, imperador romano, editou uma lei
que excluía os surdos que não tivessem a possibilidade de confessar seus
pecados da herança a que tinham direito. A Igreja Romana entendia isso muito
justo, pois enriquecia mais um pouco. Havia muitos surdos nessa época, pois os
casamentos entre parentes de famílias ricas eram muito comuns, onde a
consanguinidade determinava muitas deficiências, inclusive a surdez. Também a
história nos conta o surgimento da língua de sinais dentro dos mosteiros, onde
os religiosos não podiam verbalizar algumas condutas ou descobertas
consideradas heréticas.
Foi em busca de como hoje
tratamos nossos surdos e aprendermos mais sobre esta realidade, que procuramos
a Escola de Educação Especial Concórdia, em Porto Alegre, uma das quatro
escolas para surdos disponíveis na região. Na conversa com a Diretora Hiltrud
Elert (reconhecida como finalista do prêmio educação pela Sinpro:
http://www.ulbra.br/educacao-basica/especial-concordia/noticia/19973/hiltrud-elert-e-finalista-do-18-premio-educacao-rs),
tivemos uma rica experiência que nos trouxe importantes elementos para
compreender melhor este mundo.
Esta escola existe há 50
anos, criada muito antes de o país se preocupar com alguma legislação que permitisse
aos surdos alguns direitos diferenciais, como a outros portadores de
deficiências. Além de sua principal
função, a de prover os surdos às duas línguas (primeiro LIBRAS e depois a
língua portuguesa lida e escrita) de que necessitam para exercerem sua
cidadania, busca dar uma formação completa ao aluno, uma vez que cumpre toda a
grade curricular das demais escolas nos seus respectivos níveis. Esta escola
possui uma importância muito grande, pois provê educação e prepara para o
mercado de trabalho, crianças e jovens surdos, que, na sua maioria, são de
origem pobre. Apenas um aluno dentre os 130 é pagante. A surdez, como outras
doenças ou deficiências, é decorrente em grande parte das más condições de vida
das famílias pobres, que não possuem condições adequadas de higiene e
saneamento básico, alimentação e acesso à saúde. A gestação ocorre de forma não
planejada, muitas vezes indesejada e por isso com tentativas de aborto, sem
exames adequados. Esta criança já vem em condições de baixa imunidade e sujeita
a muitas doenças, algumas delas causando a surdez. Apenas 5% dos casos de surdez têm causas
genéticas; as demais poderiam ter sido evitadas. 10% da população brasileira é
surda ou possui a algum comprometimento da audição, que vai de leve a severa.
As famílias, diante do
quadro, tem dificuldade em aceitar esta realidade e o acesso ao tratamento pode
demorar alguns anos, dificultando o desenvolvimento desta criança, com uma
comunicação muito restrita, uma vez que nem pais, nem comunidade domina a
linguagem de sinais. Em geral, esta criança só inicia seu desenvolvimento após
o contato com esta linguagem, que é de domínio muito restrito. Hoje as escolas
em geral, mesmo que a legislação as obrigue, não possuem profissionais
capacitados para atender esta necessidade. Nas universidades, todos os cursos
devem ter entre as disciplinas a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, mas na
maioria são disciplinas apenas para cumprirem curriculum, não são obrigatórias
e os alunos não cursam.
Assim, o surdo, que possui
todas as aptidões de todas as demais pessoas, menos ouvir, sem a aquisição da
sua primeira língua, a língua de sinais, que no Brasil é chamada de LIBRAS,
terá dificuldades em se inserir no mundo do estudo, do trabalho. Hiltrud admite
que o surdo tem dificuldades de se empregar. Poucas companhias contratam
profissionais surdos em virtude da falta de domínio da língua e do preconceito,
exceção à Companhia de Supermercados Zaffari, que mantém contato com a escola.
E a cidadania? E a inserção
mal conduzida poderá formar uma pessoa retraída, insegura e incapaz de exercer
seus direitos e deveres como cidadão. A televisão com propaganda eleitoral com
interprete mantém o surdo mais incluído, porém, pela pouca preocupação com a
questão do surdo, não há quase representatividade surda como também não há de
mulheres, que compõem a maioria da população. Ao contrário, um surdo que foi
provido, na época certa com apoio da família, escola e comunidade, das
ferramentas de que necessita para a sua vida futura, se tornará um cidadão de
grande valor, mas ainda carece de ajuda para se manter presente nas questões de
interesse.
Mas esta realidade ainda
está muito longe de ocorrer. Prova disso é que o surdo busca predominantemente
a sua comunidade de surdos, onde se sente mais confortável, onde consegue um
acolhimento mais completo, onde se comunica de forma plena.
Mas o que de novo surgiu em
termos de tecnologias inclusivas para surdos, na era dos avanços em todas as
áreas, em que robôs substituem tarefas repetitivas ou perigosas dos humanos?
Além da LIBRAS, a maior dentre as ferramentas criadas pelo ser humano para os
surdos, várias inovações do último século vieram a ajudar.
Aprendemos que o aluno surdo
possui as percepções visuais muito desenvolvidas. Assim, grande parte das
ferramentas que oferecem apoio visual ajudam estas pessoas. Na escola, que não
emprega tecnologias de ponta, utiliza-se de ferramentas como o Datashow de
forma intensiva. Os professores e funcionários devem dominar de forma intensiva
a LIBRAS. Os materiais usados em sala de aula são todos visuais, usando muitos
desenhos, muitas cores, representações de diversas ordens. Conforme Hiltrud, ‘o
tempo dispendido nas aulas é maior do que em aulas de alunos ouvintes, pois os
surdos não possuem todos os recursos de percepção e assim as turmas são em
número reduzido. As séries iniciais não podem ter mais de cinco crianças. Após
o domínio da LIBRAS, o grupo pode ser aumentado para oito alunos. O professor
necessita um contato muito maior com cada aluno, sob pena do aluno perder
grande parte do conteúdo’.
Assim, como podemos imaginar
um aluno surdo, sem o domínio do português e sem um tradutor em sala, numa
turma de trinta alunos como ocorre nas nossas escolas, ter uma aprendizagem
adequada? Esse aluno certamente terá muitas deficiências e não terá o adequado
acesso a uma universidade ou a um trabalho mais qualificado.
Ainda conforme Hiltrud,
‘algumas novas tecnologias realmente são fantásticas, como o Whatsapp, que
permite uma comunicação muito rápida e perfeita com a família, por exemplo. O aluno
e o familiar se ‘falam’ por sinais de forma instantânea através da câmara do
celular. Antes desta ferramenta, quando o aluno necessitava comunicar-se com a
família, nós da escola precisávamos intermediar, transmitindo através do
português/libras o que queriam comunicar’.
Hiltrud não defende Hand Talk (aplicativo de apresentação
simultânea de sinais conforme a fala) em
palestras ou outro aplicativo que iniba a visualização da cena do palestrante.
O closed captions ou a tecla SAP são
recursos úteis, mas estão pouco empregados na programação da TV. Outro exemplo
é as campainhas como luminárias, são úteis na Escola, mas não são empregados na
aprendizagem dos alunos. No nosso entender, as tecnologias de aplicativo são úteis
e serão mais úteis a surdos, cegos ou outro deficiente à medida que for
simpático com as características físicas, sociais, econômicas e culturais.
Hiltrud concluiu a
entrevista falando que o oralismo está ainda muito presente e a busca da escola
inclusiva, como vi(ve)mos, depende que todos consigam se entender. A Universidade
de surdos Gallaudet nos Estados Unidos é uma realidade que se afasta cada vez
mais diante da busca de educar para diversidade sem educar coerentemente com as
condições próprias do indivíduo na busca de seu desenvolvimento pleno.
Edeltraud Dörr Castro – Estudante da Uninter
Martin Henrique Dörr Castro – Estudante da
Uninter
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